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Valor Econômico – A hora da mudança nas telecomunicações

A hora da mudança nas telecomunicações

08/07/2016 – 05:00 – Por Caio P. Neto e Mateus Adami

Há, atualmente, um intenso debate sobre o modelo de exploração dos serviços de telecomunicações no país, engajando os mais diversos atores, entre entidades públicas, privadas e operadoras, além da própria sociedade civil, por meio de manifestações em consulta pública encerrada no início do ano. Os pontos expostos evidenciam que o modelo regulatório está defasado e precisa ser modificado, especialmente em relação aos serviços de telefonia fixa (o Serviço Telefônico Fixo Comutado – SFTC)
explorados em regime público. A revisão precisa ser abrangente e não pode aguardar o término das atuais concessões do STFC em 2025. O tema, inclusive, é objeto de projeto de lei (PL 3453/15) para alterar a Lei Geral de Telecomunicações e facilitar a mudança.
Quando da outorga dos contratos de concessão, em 1997, não era possível prever a magnitude e a velocidade do avanço tecnológico do setor. O objeto desses contratos foi circunscrito à telefonia fixa, com agressivas metas de universalização e qualidade. Em grande medida, os objetivos da política pública então definida foram cumpridos com louvor.
Contudo, a telefonia fixa perdeu espaço para o Serviço Móvel Pessoal (voz e dados) e para o Serviço de Comunicação Multimídia (banda larga fixa), ambos explorados em regime privado (explorados por meio de autorização, fora do regime de concessão). O avanço da telefonia móvel é indiscutível, tendo superado, em número de linhas ativas, a própria população brasileira. E a banda larga ganhou tal importância para a sociedade que assumiu posição de destaque nas políticas públicas governamentais – vide o Plano Nacional de Banda Larga.
Uma alternativa é a exploração de todos os serviços de telecomunicações pelo regime de autorização A perda de relevância do STFC indica que a receita por ele gerada já não corresponde mais àquela que faria frente às metas de universalização e qualidade, estabelecidas quando da concepção dos contratos de concessão. Isso compromete a sua sustentabilidade, uma vez que as revisões contratuais anteriores apenas substituíram obrigações, com a premissa de que as concessionárias suportariam a manutenção dos mesmos níveis de investimento.
Partiu-se sempre da premissa de que as concessionárias suportariam a manutenção e, até mesmo, a ampliação de suas obrigações regulatórias, o que não se sustenta num quadro de rápido declínio do serviço de telefonia fixa concedido. Manteve-se tal postura mesmo diante da forte competição de outros serviços, como a telefonia móvel e aplicativos de internet (over the top – OTT).
Esse panorama evidencia que os contratos de concessão são anacrônicos e já não atendem às demandas da sociedade, que busca ampliação das soluções de acesso à internet. Nesse contexto, é preciso rever o uso do próprio modelo de concessões como motor da expansão das telecomunicações, a fim de atrair os investimentos necessários para os serviços atualmente demandados pela sociedade, em especial a banda larga.
Uma alternativa, já em debate, é a extinção antecipada das concessões, passando-se a exploração de todos os serviços de telecomunicações para o regime de autorização. Trata-se de solução simples do ponto de vista jurídico, uma vez que o sistema previsto na Lei Geral de Telecomunicações é flexível o suficiente para comportar a adoção de um modelo calcado exclusivamente em autorizações para a prestação de serviços. Uma mudança legislativa minimalista também poderia contribuir para esse movimento e eliminar eventuais inseguranças.
Vale lembrar que o próprio setor de telefonia móvel passou pela migração voluntária do antigo Serviço Móvel Celular (regime de concessão) para o atual Serviço Móvel Pessoal (regime de autorização). O novo regime, mais flexível, permitiu uma expansão notável, aumentando substancialmente a penetração do serviço móvel no Brasil.
Num modelo de autorizações, em troca da extinção da reversibilidade dos bens essenciais vinculados à concessão, as antigas concessionárias poderiam assumir compromissos de interesse da coletividade associados a investimentos em banda larga. Com isso, a União transformaria o seu direito à reversão da posse de bens atrelados a um serviço do passado (telefonia fixa) em uma fonte de recursos que pode ser redirecionada para construir os serviços do futuro (banda larga).
A extinção do regime de reversibilidade teria outro efeito positivo: eliminar a insegurança jurídica que coloca em xeque a realização de investimentos no setor de telecomunicações. Muito embora apenas os ativos essenciais ao serviço explorado pelas concessões sejam abrangidos pelo instituto da reversão, a grande incerteza quanto à extensão da aplicação do instituto (i.e. quais bens seriam considerados reversíveis em 2025? E como a sua posse seria transferida para a União?) prejudica a realização de investimentos adicionais por parte das operadoras. A superação imediata dessa incerteza reforçaria a
atração de investimentos privados.
Em complementação aos investimentos gerados diretamente pela maior segurança jurídica e pelos compromissos assumidos pelas atuais concessionárias na transição, projetos adicionais de banda larga poderiam ser parcialmente custeados pelo Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicação (FUST) – em linha com sua vocação original. Isso ocorreria por meio de subsídio direto aos usuários ou leilões reversos, em que sairiam vitoriosas as operadoras que assumissem projetos de interesse social com a menor contrapartida pública. O FUST, portanto, poderia alavancar ainda mais investimentos, em
um regime próximo ao de uma parceria público-privada (PPP). Com isso, o modelo brasileiro se aproximaria daquele adotado em países que já avançam rapidamente na expansão do acesso à banda larga, deixando para trás a rigidez excessiva das concessões. É preciso, portanto, aproveitar a oportunidade de reforma regulatória para levar o setor de telecomunicações a um
patamar mais alto, abr indo-se um novo ciclo virtuoso de investimentos em benefício de toda a sociedade.

Caio Mario S. Pereira Neto é professor de direito econômico da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito SP)

Mateus Piva Adami é professor do programa de pós-graduação lato sensu da FGV Direito SP (GVlaw). Sócios de Pereira Neto, Macedo Advogados.