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Qual o conceito de M2M e por que isso importa para o desenvolvimento de IoT?

Essa notícia foi publicada no portal Jota.info e está disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/qual-o-conceito-de-m2m-e-por-que-isso-importa-para-o-desenvolvimento-de-iot-23012018

Na prática, é difícil que uma aplicação de IoT prescinda totalmente de intervenção humana.

Crédito: Pixabay

 

Continuando a série de artigos sobre a Internet das Coisas (“Internet of things” ou “IoT”) em parceria com o JOTA, nesse artigo abordaremos algumas questões relacionadas ao setor de telecomunicações no Brasil.1 Como já indicamos no primeiro artigo dessa série, os dispositivos IoT reúnem, ao menos, três pontos elementares: conectividade, uso de sensores/atuadores, e capacidade computacional de processamento e armazenamento de dados. Nesse artigo, trataremos do primeiro requisito: da conectividade.

São inúmeras as discussões relevantes sobre esse tema, mas elegemos, para esse primeiro momento, aquela pertinente ao conceito de comunicação máquina a máquina (“machine-to-machine” ou “M2M) como ponto de partida.

De início, é importante destacar que um ponto comum entre as aplicações de IoT é a necessidade de comunicação entre os dispositivos, com pouca ou nenhuma interação humana.

+JOTA: O Direito da Internet das Coisas – desafios e perspectivas de IoT no Brasil

Apenas para visualizarmos uma situação de comunicação M2M, imagine um dispositivo que realiza o controle de estoque de determinada empresa. Ao perceber que um certo insumo, utilizado por aquela empresa na fabricação de seu produto, está acabando, o dispositivo se comunica com o fornecedor e realiza uma ordem de compra para reabastecer o estoque.2

Nesse exemplo, como se daria a comunicação entre os dispositivos? Em termos mais técnicos, tais dispositivos estão conectados a uma rede de telecomunicações que serve de suporte à transmissão dos dados provenientes dos dispositivos. Essa comunicação entre as “coisas” ocorre, na maior parte das vezes, tendo como suporte um serviço de telecomunicações, cuja exploração é regulada pela Agência Nacional de Telecomunicações (“Anatel”).

+JOTA: Neutralidade da rede e Internet das Coisas no Brasil: uma relação harmônica

A princípio, o tratamento dessa comunicação entre máquinas receberia o mesmo tratamento de qualquer outro tipo de comunicação, em conformidade com a regulamentação da Anatel. Entretanto, dadas as particularidades desse tipo de comunicação e suas finalidades, ela pode atrair regras diferenciadas daquelas que se aplicam aos demais serviços de telecomunicações, tradicionalmente utilizados para comunicação humana. Por exemplo, dado que é necessário ampliar exponencialmente o número de conexões disponíveis, é certo que baixar o custo de acesso aos serviços de telecomunicações se afigura como um grande desafio.

É nesse contexto que o conceito de M2M passa a assumir grande relevância.

Por meio da Lei nº 12.715/2012, a Taxa de Fiscalização de Instalação e a Taxa de Fiscalização de Funcionamento (taxas do FISTEL) das estações móveis de telecomunicações em sistemas M2M foram fixadas em valores significativamente inferiores aos aplicáveis às estações móveis nas demais hipóteses: R$ 5,68 e R$ 1,87, respectivamente.34 Essa desoneração teve por objetivo contribuir para a redução do custo dos serviços que suportam as soluções IoT.

A previsão legal foi posteriormente regulamentada pelo Decreto nº 8.234/2014, que conceitua os sistemas de comunicação M2M, para fins da desoneração acima, como: “os dispositivos que, sem intervenção humana, utilizem redes de telecomunicações para transmitir dados a aplicações remotas com o objetivo de monitorar, medir e controlar o próprio dispositivo, o ambiente ao seu redor ou sistemas de dados a ele conectados por meio dessas redes”.5

Vê-se, assim, que, a priori, o racional do nosso atual quadro regulatório exclui todos os dispositivos inteligentes que demandam algum grau interação humana da referida hipótese de desoneração tributária. Não há, porém, qualquer baliza para esclarecer o que deve ser entendido como ausência de intervenção humana.6 Na prática, é difícil que uma aplicação de IoT prescinda totalmente de intervenção humana.

Inclusive, a questão foi abordada na Consulta Pública destinada à coleta de subsídios sobre o desenvolvimento de IoT no Brasil. Em geral, as contribuições indicavam a falta de justificativa para instauração de um tratamento diferenciado para as aplicações em função do nível de intervenção humana envolvida.

Pensemos, por exemplo, em uma geladeira inteligente, que, além de monitorar a temperatura em seu interior, também avisa ao seu proprietário quais alimentos estão estocados e envia foto deles ao seu smartphone. Esse aparelho, já disponível no mercado, depende da atuação humana, ou ao menos de sua aquiescência, para que se comunique com o supermercado mais próximo e realize a compra dos itens que estão faltando. Essa interação humana, de caráter ocasional, que pode estar presente em outras aplicações já existentes e que estão por vir, poderia, em uma análise literal da regulação atual, afastar o enquadramento no conceito de M2M.

O conceito normativo de M2M no Brasil parece estar, assim, em descompasso com o universo IoT e essa constatação impacta diretamente o seu desenvolvimento. E esse descompasso tem impactos relevantes para a expansão de IoT no Brasil.

Em primeiro lugar, com o conceito restritivo do Decreto nº 8234/2014, é possível que muitas aplicações de IoT fiquem de fora da desoneração proposta, o que, na prática, poderia até mesmo inviabilizar algumas aplicações (sobretudo tendo em vista que, em muitas delas, a receita por dispositivo inteligente é da ordem de centavos). Isso denota que o quadro regulatório atual pode não estar suficientemente preparado para impulsionar o desenvolvimento da IoT e democratizar o uso de dispositivos inteligentes em grande escala.

Em segundo lugar, outras formas de assimetria regulatória que possam ser pensadas pela Anatel para fomentar a IoT dependem igualmente da clareza de um conceito de M2M. Esse poderia ser o caso, por exemplo, da incidência de obrigações de qualidade.

A Anatel prevê uma série de padrões de qualidade que devem ser seguidos por todos os prestadores de serviços de telecomunicações. Estes padrões, no entanto, não necessariamente fazem sentido para todas as aplicações de IoT.

De fato, não parece razoável aplicar todas as mesmas obrigações de qualidade pensadas para serviços dirigidos à comunicação entre “pessoas” em serviços destinados ao suporte à IoT (comunicação entre “dispositivos”).

Não seria razoável, por exemplo, exigir os mesmos padrões técnicos do streaming dos vídeos para a conexão de sensores instalados numa lavoura que simplesmente monitoram a incidência de chuva ao final do dia. A segunda aplicação demanda infinitamente menos da rede de telecomunicações do que a primeira.

Já uma situação totalmente diferente é a da aplicação de IoT no caso de procedimentos cirúrgicos de alta complexidade de forma remota, em que a qualidade do serviço utilizado é bastante sensível.

Não é razoável, portanto, obrigar um tratamento uniforme para situações tão díspares. Na prática, a operadora de telecomunicações é obrigada a manter a conexão dos sensores agrícolas nas mesmas condições para suportar os serviços de streaming – o que, evidentemente, gera um custo maior do que o necessário para a aplicação. É preciso repensar essa lógica.

Nesse contexto, a consideração sobre a possibilidade de estabelecimento de assimetrias regulatórias a situações distintas como as descritas acima pode, inclusive, aproveitar o ensejo da Consulta Pública nº 29/2017, aberta pela Anatel para discutir um novo regulamento de qualidade para os serviços de telecomunicações.

De todo modo, vê-se que, tanto para reduzir os custos do FISTEL, quanto para eventual criação de assimetrias regulatórias para a incidência de obrigações de qualidade mais razoáveis às aplicações (pelo menos as mais simplórias) de IoT, precisamos de um conceito apurado de M2M que sirva para efetivar a máxima do princípio da igualdade material – isto é, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

É claro que a definição do conceito necessita uma análise cuidadosa, afinal a busca pelo estímulo à IoT não deve permitir a criação de distorções no setor de telecomunicações, possibilitando a evasão às obrigações regulatórias.

De um lado, uma definição que exclui totalmente a ideia de interação humana pode se mostrar restritiva e prejudicar o objetivo de estender benefícios ficais e regulatórios a um grupo relevante de dispositivos. De outro, porém, um conceito que inclui a interação humana sem modulações é capaz de equiparar qualquer objeto conectado à rede (por exemplo, um smartphone) a uma comunicação M2M, algo que igualmente prejudicaria os objetivos de fomentar a IoT.

Daí a relevância – e a sensibilidade – que tem a discussão sobre a definição de M2M, que tem se mantida acesa, como se observa pela tramitação de diferentes projetos de lei que passam pelo tema.7

Ponderando esses aspectos, entendemos que a caracterização do M2M deve permitir mínimas interações humanas ou uma comunicação predominantemente automatizada, algo que vem sendo feito em outras jurisdições.8

A discussão, é claro, não se encerra por aqui. Ao longo dos próximos artigos, retomaremos questões importantes como encargos setoriais – o FISTEL é um deles – e os padrões de qualidade em artigos específicos. Não percam!

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1 O presente artigo resulta do documento elaborado pelo escritório Pereira Neto, Macedo no Estudo Técnico “Internet das Coisas: um plano de ação para o Brasil”, estudo apoiado pelo BNDES em parceria com o MCTIC. Para conferir mais sobre o estudo e ver os relatórios já publicados, acesse:

https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/conhecimento/pesquisaedados/estudos/estudo-internet-das-coisas-iot/estudo-internet-das-coisas-um-plano-de-acao-para-o-brasil

2 No universo IoT vários são os exemplos que podem ser indicados como sendo de comunicação M2M, a saber: (i) medidores de poluição, os quais objetivam o monitoramento de emissão de gases poluentes para uma central especializada; (ii) leitores de energia, que buscam informar dados de consumo pela rede; e (iii) uso de drones para a transmissão de imagens para centrais de controle e segurança. Esses e mais casos de IoT podem ser consultados em:https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/internet-das-coisas-ha-mais-maquinas-online-que-celulares-e-elas-tem-ate-rede-propria.ghtml .

3Art. 38. O valor da Taxa de Fiscalização de Instalação das estações móveis do Serviço Móvel Pessoal, do Serviço Móvel Celular ou de outra modalidade de serviço de telecomunicações, nos termos da Lei no 5.070, de 7 de julho de 1966, e suas alterações, que integrem sistemas de comunicação máquina a máquina, definidos nos termos da regulamentação a ser editada pelo Poder Executivo, fica fixado em R$ 5,68 (cinco reais e sessenta e oito centavos). Parágrafo único. A Taxa de Fiscalização de Funcionamento será paga, anualmente, até o dia 31 de março, e seus valores serão os correspondentes a 33% (trinta e três por cento) dos fixados para a Taxa de Fiscalização de Instalação”.

4 A Taxa de Fiscalização de Instalação (“TFI”) e a Taxa de Fiscalização de Funcionamento (“TFF”) compõem o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (“FISTEL”). A Taxa de Fiscalização de Instalação é cobrada, por estação, segundo valores fixos previstos na Lei nº 5.070/1966, e varia conforme o serviço e o tipo de estação. Em geral, o valor incidente sobre estações móveis é de R$ 26,83. Já a TFF é cobrada anualmente no valor de 33% do valor da TFI por estação.

5 Vale pontuar, que inobstante a ausência de base normativa e, portanto, falta de justificativa jurídica, a comunicação máquina a máquina foi dividida em duas categorias: (i) M2M Especial, cuja definição é aquela constante do texto e para os quais incide a desoneração tributária; e (ii) M2M padrão que seriam os demais dispositivos máquina a máquina que não se enquadram no conceito de M2M especial e para os quais não se aplicaria a desoneração tributária.

6 Considerando, por exemplo, que algum grau de intervenção humana sempre será necessário, mesmo que seja para configurar o dispositivo, realizar a entrada de dados ou até mesmo para ativá-lo.

7 Considerando esse ponto, vale ressaltar a existência dos seguintes Projetos de Lei (“PL”) : PL nº 7.406/2014 , que altera o conceito de M2M (http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=612507); e o PL nº 7.656/2017, que reconhece isenção total da taxa do Fistel para as estações móveis de serviços de telecomunicações que se caracterizam como comunicação M2M (http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2137811).

8 Nesse sentido, destacamos o andamento da discussão na Alemanha e na Índia. No primeiro caso, optou-se por definir comunicações M2M como aquelas que são “predominantemente automatizadas”. Já no segundo caso há manifestação no sentido de incluir no conceito M2M as comunicações que também envolvam pequenas intervenções humanas. Essas informações encontram-se disponíveis em, respectivamente:https://www.bundesnetzagentur.de/

http://trai.gov.in/recommendations-spectrum-roaming-and-qos-related-requirements-machine-machine-m2m-communications .

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