Minoria no Controle
Data: 01/02/10
Caderno: Eu & Investimentos
Por Graziella Valenti, de São Paulo
Mercado aquecido permite aumento de companhias em que o capital está disperso na bolsa de valores.
Minoria no Controle
De forma gradual, o Brasil conta a cada ano que passa com um número maior de companhias em que o comando é exercido por um acionista relevante, porém sem a maioria absoluta do capital. Lentamente, a estrutura de propriedade corporativa do
país, conhecido pela elevada concentração familiar, começa a mudar. Em 2009, sete empresas foram incluídas no seleto grupo daquelas cujo controle é exercido pela minoria e duas companhias pulverizaram suas ações.
A decisão de emitir mais papéis para capitalizar o negócio levou à diluição dos principais acionistas das construtoras Rossi Residencial e MRV, da companhia de consumo Hypermarcas e da empresa de concessões rodoviárias CCR. A conversão
de dívida em capital e a saída dos fundadores pulverizou o capital da Brasil Ecodiesel.
A Cetip já foi à BM&FBovespa dessa forma e a Agre Empreendimentos também nasceu com controle minoritário, após a combinação de Agra, Abyara e Klabin Segall
Há também o caso da Dufry AG (DAG), companhia suíça que listará recibos de ações na bolsa brasileira após incorporar a controlada Dufry South America (DSA). Após a combinação, mais de 60% do capital ficará disperso entre investidores minoritários. A maior fatia é da gestora de fundos de participações Advent. Incluindo a estrangeira, o número de empresas sem um acionista com mais de 50% do capital sobe para sete.
Biblioteca.
Em 2009, a venda de ações por sócios relevantes também tornou a Diagnósticos da América (Dasa) e a American BankNote empresas de capital completamente pulverizado. O mesmo ocorreu com a BR Malls neste ano.
A atividade do mercado de capitais brasileiro, seja pela emissão de papéis para capitalização seja para fusões e aquisições pagas com troca de ações, é a grande razão desse avanço. O número total de empresas em que o principal acionista ou
grupo de sócios não chega a 51% do capital subiu de 37 para 40 no ano passado, apesar da consolidação de cinco companhias com esse perfil (veja tabela ao lado).
A despeito da expansão, o número de empresas com essa estrutura de propriedade ainda é pequeno no mercado brasileiro, que conta com cerca de 440 empresas abertas. O que chama atenção é que esse modelo praticamente não existia até a
revitalização do mercado, iniciada em 2004.
O surgimento do Novo Mercado, ambiente diferenciado em que são admitidas empresas apenas com ações ordinárias (com direito a voto), foi determinante para esse avanço. Das companhias com esse modelo societário, 31 ou 78% estão no
segmento especial da bolsa.
Os especialistas acreditam que a dispersão do capital é o caminho do crescimento – dos negócios e do país. Por isso, esses números devem aumentar ao longo dos próximos anos, embora ninguém tente estimar a velocidade desse avanço.
Para 2010, já existem alguns candidatos. A Aliansce, empresa de shopping centers, que acaba de abrir capital pode chegar com 53% das ações em circulação se houver demanda para o lote suplementar. Caso a International Meal Company (IMC), cadeia
de restaurantes do Advent, tente mais uma vez acessar a bolsa, deve estrear também com capital disperso.
Não é por acaso, portanto, que as transformações das normas do mercado brasileiro ao longo de 2009 e a própria revisão do regulamento do Novo Mercado visam preparar o Brasil para um cenário de expansão das empresas controladas por minorias ou com o capital totalmente disperso na bolsa.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou duas instruções determinantes para esse ambiente – 480 e 481. A primeira aumenta substancialmente a transparência das empresas, inclusive sobre remuneração de executivos, assunto crucial em
companhias em que não há um dono para fiscalizar os administradores. Já a segunda regula a participação dos acionistas nas assembleias, facilitando o ativismo dos investidores.
Cristiana Pereira, diretora de relações com empresas da BM&FBovespa, explicou que essa questão é um dos focos da revisão das normas do Novo Mercado. “O objetivo é tratar de quem não tem controlador, um número pequeno de empresas, mas que é a tendência.”
Ricardo Ferreira de Macedo, do escritório de advocacia BPGM, acredita que um mercado seguro é determinante para permitir o crescimento do número de companhias de controle disperso. Para ele, os empresários dispostos a adotar esse
modelo ainda são poucos. E mesmo aqueles que seguiram esse caminho demonstram a herança cultural de apreço ao controle com a adoção de pílulas de veneno bastante severas.
Nas empresas que possuem essa estrutura societária, as decisões de novas emissões para obter mais dinheiro ou para aquisições com trocas de ações são mais simples e Biblioteca não passam pelo temor de perda de controle – uma vez que ele já não existe em seu formato tradicional.
Além disso, a pulverização do capital também é o caminho apontado para suportar o agigantamento dos negócios. É mais provável que grandes transações de fusões e aquisições sejam feitas com trocas de ações do que com pagamento em dinheiro.
Mas esse modelo não tem apenas benesses. Para o mercado, significa a mudança do foco das preocupações, mas não a eliminação dos problemas da economia tradicional de controle concentrado.
Edison Garcia, superintendente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), destacou que o risco de excessos migra do controlador para os administradores. Por isso, nessas companhias é ainda mais importante a ativa
participação dos acionistas, é relevante ter o “espírito de dono” para fiscalizar a gestão. Atenta a isso, a associação pediu à CVM um posicionamento sobre um tema determinante para a organização dos investidores: o fornecimento da lista de
acionistas pelas empresas. Junto da instrução 481, a resposta da autarquia à Amec jogou luz à questão, até então, nebulosa.
Ficou claro que os acionistas terão acesso à lista de sócios para se organizarem para assembleias ou quando estiverem diante de uma situação de ameça de seus direitos.
“Também é preciso um conselho de administração ainda mais forte e atuante”, disse Heloisa Bedicks, diretora-executiva do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Mais uma vez, a função é suprir a ausência do controle sobre as atividades. Apesar de alguns ajustes de mercado já terem sido feitos, especialmente aqueles que ampliam transparência – o que inclui convergência ao padrão internacional de contabilidade IFRS – ainda há questões relevantes a serem tratadas. Neste ano, a presidente da CVM, Maria Helena Santana, contou que será ajustada a norma de oferta pública de aquisição de controle – principal regra para compra de companhias com capital disperso em bolsa. A iniciativa segue-se à polêmica aquisição da GVT
pelo grupo francês Vivendi.
A inclusão de uma regra no Novo Mercado que obrigue uma oferta após a compra de 30% do capital também é apontada como essencial. Segundo Cristiana, da bolsa, a medida atenderia a essa nova realidade. Nas empresas em que não há dono – e
portanto não há controle para ser vendido – não há cobertura para o minoritário pela Lei das Sociedades por Ações na garantia de oferta. A lei determina a extensão do prêmio de controle na venda e não na compra. A medida deixaria controladores mais
seguros para terem menos de 50% e minoritários tranquilos com a garantia de liquidez de seus papéis.